domingo, 15 de janeiro de 2012

Submarinos Nucleares: Descomissionamento



SUMÁRIO: Este artigo define a atividade de Descomissionamento de Submarinos Nucleares abordando os riscos inerentes à essa atividade, que já causaram e ainda causam enormes danos em países, como a Russia, que desconsideraram um planejamento antecipado para a atividade e estão pagando o preço dessa negligência em termos de ameaças à população e ao meio ambiente de seu próprio território e de países vizinhos. O artigo também apresenta uma sugestão de iniciativa imediata levando em conta que o fato dessa atividade no Brasil ser necessária somente daqui a cerca de 35 anos não é motivo para que se negligencie sua implantação imediatamente, tendo em vista que os processos envolvidos são de decisão e implementação complexas e demoradas, especialmente, em nosso país. A Marinha Brasileira, aparentemente, não está focada nesse aspecto e o Congresso Nacional precisa começar a discutir está questão JÁ, propondo alterações no projeto do Estaleiro e Base Naval (EBN), que está previsto no recente acordo com os franceses.

Desde que comecei a escrever sobre a intenção da Marinha Brasileira de construir Submarinos Nucleares eu mantinha uma posição muito crítica pautada em aspectos da mentalidade brasileira que eu considerava ainda não preparada em termos procedurais e éticos para penetrar mais a fundo ainda na aventura nuclear.

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É verdade, que desde 1998 quando escrevi meu primeiro artigo sobre o tema até 2010 quando publiquei Estratégia Nacional de Defesa - Marinha, eu flexibilizei minha posição respaldado no sucesso do programa de propulsão nuclear, no orgulho nacional gerados pelas realizações da Marinha Brasileira nesta área e principalmente por mudanças na situação geopolítica em que hoje se enquadra o Brasil. No entanto, jamais deixei de flexibilizar um aspecto que ainda me parece esquecido pelas nossas autoridades Navais, de Defesa e Regulatórias, ou seja, o planejamento e previsão técnico/orçamentária para a fase que se segue ao término da vida útil dos reatores navais, o Descomissionamento.
Para definir esse termo precisamos estar cientes de que um navio de propulsão nuclear não sai simplesmente do serviço ativo como os navios convencionais que depois da recuperação daquilo que é aproveitável o navio é simplesmente cortado para ser vendido como ferro-velho. O navio de propulsão nuclear exige para sua desativação um processo denominado Descomissionamento, que consiste numa sequencia de operações cujo objetivo é o armazenamento seguro do material nuclear radioativo e a deposição adequada do vaso do reator e da sucata irradiada, reciclando (quando possível) o resto do casco e acessórios.

Em últimas palavras, meu apoio à construção de submarinos nucleares pelo Brasil está condicionado ao tratamento antecipado da questão do descomissionamento. Os exemplos atuais da Marinha Russa que desconsiderou esta questão estão presentes e requerendo apoio mundial das demais potências nucleares para a solução de um problema grave de navios nucleares desativados estocados que sem um programa adequado de descomissionamento tiveram reatores danificados, liberando radioatividade, despejados no mar de Karas, fato já reconhecido internacionalmente pelas autoridades russas.

Este problema, embora mais agudo na Rússia, também está presente nos EUA e em menor escala na França e no Reino Unido. O descomissionamento de reatores navais nucleares coloca desafios específicos que determinam implicações para o processo de deposição nuclear como um todo. Devido à confidencialidade envolvida nos sistemas de armas e ao nível de enriquecimento dos combustíveis nucleares contidos nos reatores navais, suas deposições frequentemente guardam mais similaridade com os sistemas de armas do que com os reatores civis.

Como se sabe, os reatores nucleares mais usados utilizam urânio com enriquecimento industrial do isótopo U-235, material físsil, já que o U-238 encontrado na natureza, não é físsil e dispõe de baixo nível (0,7%) de concentração do isótopo U-235. Por exemplo, o enriquecimento dos reatores a água pressurizada variam desde 21 porcento de U-235 nos submarinos russos de primeira e segunda geração para 45 porcento na terceira geração. O Urânio nos reatores resfriados a metal líquido é provavelmente enriquecido a valores maiores do que 90 porcento, ou grau de armamento nuclear.

No caso do projeto do submarino nuclear brasileiro nós não temos informação oficial liberada sobre o nível de enriquecimento, mas um raciocínio lógico nos faz crer que operacionalizando um submarino nuclear 60 anos depois de o primeiro submarino nuclear ter sido colocado em operação no mundo, a Marinha Brasileira não iria projetá-lo com capacidade operacional compatível com 60 anos atrás. Maior enriquecimento permite uma redução do tamanho do reator bem como períodos maiores entre o carregamento do núcleo, aumentando a operacionalidade do submarino.
No entanto, como o gerenciamento do urânio é hoje mais inteligente, conseguindo-se que o urânio fique mais tempo gerando energia, um submarino utilizando combustível nuclear com 20% de enriquecimento pode hoje exercer o mesmo papel operacional que um submarino mais antigo utilizando 45%.
Em contraste, a maioria dos reatores comerciais utilizam combustível enriquecido a cerca de 4 porcento de U-235. Evidentemente, como outros reatores nucleares, os reatores navais geram uma variedade de produtos de rejeitos que têm sua deposição bastante problemática. Em particular o descomissionamento de um submarino de propulsão nuclear libera:
  • Combustível Nuclear queimado que requer tanto armazenamento preliminar como deposição definitiva;
  • Rejeitos líquidos do circuito refrigerante primário, filtros e tanques blindados no compartimento do reator que precisam ser drenados, tratados e seus rejeitos estocados.
  • Rejeitos nucleares sólidos, consistindo do núcleo do reator bem como as      superfícies irradiadas na vizinhança do núcleo, e produtos de corrosão radioativa (principalmente cobalto-60) que requerem estocagem provisória e posteriormente desmontagem e armazenamento definitivo.
No caso particular da Rússia, a competição pela escassez de recursos suplantou o processo colocando em perigo tanto a população local como o meio ambiente. O problema se tornou de tal magnitude que a Rússia tinha 180 submarinos fora de serviço em 1996. Com a taxa anual que vem sendo aplicada para o descomissionamento desses submarinos ainda teremos submarinos aguardando o processo por pelo menos mais 20 anos. Enorme cooperação internacional tem sido acionada pelos EUA e países vizinhos como a Noruega, diretamente interessada na solução do problema.
Todo o problema da Marinha Russa pode ser lido em outro artigo  denominado "O Veneno do Corporativismo" que iremos publicar aqui em breve, onde tratamos também da vontade brasileira de empregar submarinos nucleares. Nesse artigo, como explicamos no início, éramos mais radicalmente contra essa opção.

Os E.U.A. já descomissionaram, até 2007, cerca de 105 navios entre submarinos e outras classes de navios. O custo do descomissionamento de um submarino nuclear sem armamento balístico está na ordem de US$ 36,5 milhões por submarino, a preços de 1995. Na figura abaixo "Inactivation Cost" incluem a retirada do combustível queimado, drenagem de líquidos radioativos e empacotamento e soterramento do reator. "Scrapping Cost" são os custos de corte da sucata já descontado o material reciclável.

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Países como a França e o Reino Unido e a própria Rússia ainda armazenam os reatores flutuando, já separados dos submarinos, enquanto aguardam colocação em estocagem seca. A França costuma deixar seus reatores em estocagem seca provisória por 15 a 20 anos até estocar permanentemente.

Nos E.U.A., após a retirada dos elementos combustíveis e drenagem dos líquidos radioativos, que é realizado no "Puget Sound Naval Shypyard", o reator é empacotado entre duas anteparas do próprio submarino e selado para transporte através do rio Columbia para a "Hanford Reservation" também no estado de Washington, onde será enterrado numa profundidade de 5m.

Se tomarmos o custo de descomissionamento nos EUA, mostrado na tabela anterior, tendo como base o ano de 1995, e os transferirmos para custos em 2010 chegaríamos a US$ 52 milhões. Agora, se transferirmos esses custos para serem despendidos no Brasil, considerando um custo Brasil de 1,36, chegaremos a um valor aproximado de US$ 72 milhões em 2010, um valor que considero muito elevado e deve ter sido distorcido pelos altíssimos custos norte-americanos. Já dados mais recentes vindos da Rússia situam os custos, para uma unidade, em US$ 10 milhões. No Brasil, provavelmente, esses custos ficarão mais perto dos custos russos do que dos americanos, embora mais altos e por enquanto, apenas ainda um palpite, eu o colocaria no dobro, pois embora nossa carga tributária seja comparável à da Rússia em termos do PIB nossa infraestrutura em quase todos os aspectos perde bastante para os números russos. Portanto, imaginar-se US$ 20 milhões para esse custo talvez não seja exagerado.

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Na primeira figura anterior, uma barcaça transporta o reator selado para ser enterrado em Hanford, enquanto na que se segue, o reator está sendo preparado para ser enterrado. Abaixo, uma visão geral do futuro Estaleiro e Base Naval da Marinha do Brasil, na Ilha da Madeira, município de Itaguaí, RJ.Como se percebe, o 
EBN_Itaguai.jpg descomissionamento é uma operação complexa e de elevado custo e alguns países como a Rússia estão pagando um preço ainda maior, com flagrante risco de sua população de do meio ambiente, por não terem se preocupado com a questão no tempo devido. 
O Brasil não tem o direito de se aventurar na propulsão nuclear sem tomar as medidas que o planejamento da atividade de descomissionamento exige. Estamos em plena vigência de um acordo com a França, que nos fornecerá tecnologia para construção de submarinos nucleares e de uma base, também incluída no mesmo acordo. É o momento de incluirmos no projeto recursos técnicos e orçamentários para que esta atividade possa vir a ser realizada, com segurança, dentro de 35 anos. O Acordo com a França, que na verdade não tem muito a oferecer neste campo, não contempla qualquer cooperação na parte nuclear do submarino. 
Da mesma forma que os americanos, que desmontam e enterram seus reatores em sítios próximos, dentro do mesmo estado da federação, podemos estabelecer um projeto similar na região de Itaguaí onde será localizada a Base. Um dos prédios, destinado ao procedimento de troca do reator do navio nuclear ou do combustível, será alto, equivalente a 16 andares, e como pode ser visto em uma das fotos artísticas da futura base, poderá ser utilizado no descomissionamento. 
Seria lógico prever essas atividades na mesma Base de Itaguaí onde serão construídos e mantidos os submarinos nucleares, pois além de aproveitar o vultoso investimento concentraríamos atividades nucleares de risco em um só local. Através de conversas informais, posso informar que o Ministério Público Federal, ofício do meio-ambiente, compartilha dessa mesma ideia. 
Se cumpridos os cronogramas é de se esperar, que outros submarinos se sigam aos três primeiros previstos inicialmente, de forma que em 2060 já possamos, caso nada tenha sido feito e considerando-se um crescimento modesto da MB, ter cerca de 10 unidades para descomissionar. 
É uma ilusão o tempo que aparentemente ainda temos, até ser necessário o primeiro descomissionamento, pois os processos a serem cumpridos são complexos, exigem licenças especiais que como sabemos demandam muito tempo e discussões, que podem inclusive exigir audiências públicas.   
estaleiro_itaguai11-580x386.jpgAparentemente, nem a Marinha, nem o Ministério da Defesa estão preocupados com a questão. A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) ainda não entrou profundamente na questão e a Marinha dá sinais de, aparentemente, desconhecer o problema, embora exista a menção da palavra descomissionamento no Acordo com a França, mas tão somente para determinar que a responsabilidade é unicamente da parte brasileira. 

Mais abaixo, uma foto do Submarino tipo Scorpene que servirá de base para o submarino nuclear brasileiro.
estaleiro_itaguai2-580x386.jpgTeoricamente, e de acordo com a Lei no 7.781, de 27 de junho de 1989, a Marinha se submete às Normas da CNEN e do Ministério do meio Ambiente, e recentemente apresentou o RIMA visando emissão de Licença de Prévia (LP) que, na verdade, apenas atesta a viabilidade ambiental do empreendimento, não sendo uma licença para iniciar a construção do Estaleiro e Base Naval (EBN) de Submarinos, que a Marinha pretende construir em Itaguaí.
Não existe dentro do RIMA, nenhuma previsão para descomissionamento dos submarinos após a vida útil das embarcações. O que leva a crer, uma de duas hipóteses: A possibilidade de não existir a noção exata, tanto pela Marinha como CNEN e MD, de como fazer essa atividade e por isso contam com a perigosa estratégia de dar tempo ao tempo, já que a primeiro descomissionamento se daria ao redor de 2050 ou talvez alguns anos antes.


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A Rússia negligenciou a questão e hoje enfrenta um problema de escala global e mundial que está exigindo ajuda internacional, mas mesmo assim não terá o problema resolvido nos próximos 20 anos.
Pode-se argumentar que o problema brasileiro é menor, visto que jamais chegaremos a curto prazo no número de submarinos desativados da Marinha Russa. No entanto, deve se lembrar que um só descomissionamento, mal gerenciado ou deixado por fazer, encerra riscos potenciais suficientes para causar um enorme dano à população e ao meio ambiente.
Uma indagação a autoridades da Marinha sobre o descomissionamento teve como resposta que serão seguidos os procedimentos da CNEN. No entanto, a CNEN não apresenta na relação de suas normas expostas em seu site oficial qualquer norma ou procedimento para fiscalizar ou regular atividades de descomissionamento de reatores navais embora inclua entre suas normas em desenvolvimento a NN-9.01 Descomissionamento de Instalações. 
Ao indagarmos o setor de Normas da CNEN sobre o assunto, fomos muito bem recebidos pela responsável, que nos informou que este assunto estava começando a ser discutido e que seriam formados grupos de trabalho para discussão e elaboração. Foi inclusive aventada a possibilidade de sermos convidados para esse grupo. Quanto à construção do reator de propulsão a partir do reator Multipropósito, estão sendo utilizadas as normas existentes da CNEN.
É preciso, então, aproveitar o momento e levantar essa questão de forma ampla, convidando o Congresso Nacional a discutir, visando provisões técnicas e orçamentárias para que não sejamos surpreendidos por um futuro que não tarda às nossas portas. 
Esse artigo foi originalmente publicado em maio de 2010. Não conseguimos, apesar de havermos tentado, levar esse tema para o debate presidencial de 2010. Será que a candidata do governo teria tido respostas?


   

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